Rui Costa: “6 anos depois cheguei finalmente à vitória na Vuelta!”
O Ciclismo Mundial teve a oportunidade de entrevistar Rui Costa, numa conferência de imprensa onde o português falou da sua vitória na etapa 15 da La Vuelta, das fugas e sobre esta terceira semana. Conseguimos colocar várias questões ao líder da Intermarché – Circus – Wanty para a corrida espanhola e o que se segue é o resultado da análise feita à corrida até agora, e sobre o que equipa poderá fazer na última semana que terão pela frente.
Ciclismo Mundial (CM) – Como é que te sentes em relação à vitória na etapa 15 da La Vuelta a España?
Rui Costa (RC) – Foi um dia muito emocionante, muito emotivo para mim. Conseguir finalmente uma vitória na Vuelta é algo que tenho procurado há alguns anos. A minha primeira Vuelta a España foi em 2017, onde comecei muito forte a temporada também, ganhando o UAE Tour, fiz também o Giro d’Itália, onde consegui três segundos lugares e a ilusão de poder vir à Vuelta e ganhar uma etapa era algo que procurava esse ano, mas não cheguei a conseguir. 6 anos depois cheguei finalmente a esta vitória!
É super motivante para mim, super confortante! Na segunda fase da temporada, em que tínhamos como objetivo ganhar uma etapa no Tour de France, não foi possível e então, após o Tour, surgiu a oportunidade de vir à Vuelta, e isso foi importante para mim e para continuar com o meu foco. Poder lograr esta vitória foi algo sonhado, foi algo que sempre quis e ter conseguido realizar esse objetivo foi sem dúvida muito marcante para mim!
Como foi, porque há partida ias tentar ganhar, mesmo que o Kämna não caísse, estavas super mentalizado?
RC – Bom, os corredores do grupo eram todos muito interessantes, sobretudo com Remco, Kämna, Buitrago… Eram corredores para se ter muito cuidado e muita atenção, porque há vezes em que também não tem só a haver com o tipo de corredores. Sabia que a última subida ia ser bastante rápida e é certo que, ao não ter muitas pendentes altas, favorecia-me um pouco mais a mim. É óbvio que Buitrago, Remco e Kämna são corredores que a subir são muito rápidos, é difícil muitas das vezes seguir a roda deles e então sabia que tinha de sofrer bastante para passar essa parte. Não digo taticamente, mas havia algo pensado sobre haver a oportunidade, quiçá de haver um pouco de vantagem antes de entrar no Puerto de Zuarrarrate, seria ideal, mas claro, eu tomar a iniciativa depois podia ser um suicídio. Tomar a decisão de arrancar antes, para ganhar, quem sabe 30s, 40s , depois mais à frente isso podia levar-te a perder tudo e quando não tomei a iniciativa, atacou um Bora. Como podia entrar no Puerto com um pouco de vantagem, coloquei-me atrás do Buitrago que já sabia que iria voar pela subida acima.
O certo é que em algum momento ele me levou ao limite, mas, como dizia, era uma parte que assentava bem e não contava com o Kämna que vinha de trás bastante rápido. A descida não era muito técnica e tinha de dar bastantes pedaladas. Creio que naquela curva fomos a grande velocidade e seria impossível segui-lo. Assim que vi que a curva se fechava muito, toquei um pouco mais nos travões e à velocidade a que ele entrousabia , que seria um pouco difícil sair dali, e depois caiu. O Buitrago também não colaborava muito, mas creio que, entre o Buitrago e o Kämna, eles não tinham muita vontade para chegar ao sprint. Eu só tinha um objetivo, que era chegar ao sprint, porque a oportunidade de poder ganhar seria sempre maior.
Que fez para ti esta vitória, que sendo tu alguém veterano da Intermaché, nunca tinhas ganho na Vuelta. Isto dá-te uma nova motivação?
RC – Bom, é certo que este ano tenho tido muitas felicidades, nova equipa, novas oportunidades, tem sido uma equipa que tem apostado desde o início e acreditou que eu podia novamente chegar às vitórias. De verdade tenho ficado bastante agradecido com a equipa por ter acreditado desde o início! Eu acreditava sempre em mim, isso é o mais importante e acredito que fiz um excelente trabalho no início da época. As coisas começaram bem para a equipa, começamos a ganhar em Mallorca, depois em Valência e em França tive um segundo lugar, e logo depois também na Strade Bianche, que era o final da primeira fase de corridas para mim e fiquei próximo do pódio. Foi muito importante para mim, deu-me uma motivação e uma alegria extra para continuar a crer, acreditar e a trabalhar que podia sair algo muito interessante no Tour.
O que é certo é que a preparação para a segunda fase da temporada não foi a melhor, estive doente 2 vezes seguidas, caí a treinar e assim todo o planeamento que tínhamos feito para a Suíça e o Tour saiu-nos muito mal. Mas as coisas nem sempre saem como alguém quer ou pensa, e bom, há que olhar para a frente e continuar a lutar, se não foi no Tour, foi aqui na Vuelta a España.
CM – Olhando para esta terceira semana e para os objetivos da equipa, tendo já conseguido uma vitória de etapa, irão agora focar-se no Page para as etapas em plano e em ti ou no Herregodts para as fugas?
RC – Sim, nós ainda esta semana vamos passar por algumas etapas realmente difíceis, umas menos, outras mais, sobretudo na montanha, porque teremos também duas etapas que se irão disputar ao sprint, a etapa 19 e a etapa em Madrid. O Groves vai querer certamente aproveitar, pois nesses dias tem realmente de dar tudo dele. Temos agora o Remco que está muito perto da liderança da camisola verde, talvez por isso o Groves ontem teve que apertar até ao risco final para ir buscar pontos, porque senão o Remco começa a aproximar-se muito dele e, conhecendo-o bem, ainda tem duas etapas em mente e talvez uma delas seja mesmo o L’Angliru, uma etapa mítica, em que ele certamente quererá colocar a sua bandeira lá em cima. Tenho uma admiração muito grande pelo Remco, sou uma pessoa que falo com ele, não vou dizer diariamente, mas falo bastante com o Remco em privado, e ele sem dúvida, quer vencer mais.
Logo depois, claro, temos também certamente a etapa 18, que vai ditar muita coisa, porque mesmo na classificação geral vai ser uma etapa em que tudo vai ficar mais ou menos decidido, mas também nunca esquecendo a etapa 20. É uma etapa que vai recear a muitos corredores, porque é dura, estamos a falar que estamos numa altitude a rondar os 1500m, uma etapa de 200km, com 4200 metros de nível positivo acumulado. É uma etapa super exigente, é daquelas etapas que às vezes olha-se para o gráfico e diz-se “ok, é uma etapa dura, mas não há muita montanha, não há alta montanha”, mas para os atletas da classificação geral basta estar num dia menos bom que deita-se tudo a perder.
Por isso. a Vuelta realmente ainda não está terminada, ainda existem 3 ou 4 dias nesta semana que vão mudar muita coisa, como amanhã, em que apesar de que possa chegar a fuga, atrás certamente vão querer fazer a guerra deles, porque todas as chegadas em alto, por mais que chegue a fuga, a par da mesma existe outra corrida para a classificação geral, e amanhã vai ser um dia já para eles apertarem. Não é uma subida muito longa, mas é curta e explosiva, são apenas 5km. Depois na etapa 19 acaba por ser mais um dia mais tranquilo e para o sprint, em que as equipas mais rápidas não vão querer deixar que seja de forma contrária. As restantes etapas são uma sequência em que ou é para a classificação geral ou então é para fugas, tirando a última em Madrid que será ao sprint!
CM – Ainda antes desta Vuelta começar, perguntamos-te sobre o que a voz da experiência te dizia sobre quem iria vencer a Vuelta. Olhando para a situação atual, achas que o pódio irá ficar como está ou ainda se vão fazer grandes diferenças na geral?
RC – Face àquilo que eu tenho realmente avaliado e visto, sem dúvida que a Jumbo – Visma tem demonstrado um poderio muito forte. Eu até acredito que será muito difícil que possam vir a desmantelar aquele trio porque realmente qualquer um dos três pode ganhar a Vuelta. Neste caso, eu até acredito que eles queiram fazer a corrida para o Kuss, é um atleta que ao longo de já várias temporadas tem-se dedicado a trabalhar para os líderes e eu acredito que a própria equipa queira de qualquer forma compensá-lo com uma vitória. Ele tem demonstrado estar bem, tem demonstrado estar fortíssimo e eu acredito que a vitória este ano passe um bocadinho pelo Kuss. Em todo o caso, não se podem descartar corredores como o Roglic, em que a qualquer momento faz uma etapa daquelas malucas, como ele costuma demonstrar.
Sinceramente, acredito que a vitória caia mesmo para a Jumbo, não estou a ver nenhum outro corredor que possa fazer frente a eles. É certo que tens corredores que estão logo ali atrás, mas não acredito que tenham pernas para os ultrapassar, como o caso do Enric Mas, do Juan Ayuso ou do Mikel Landa. Não vejo capacidades nesses corredores para desmantelar o trio da Jumbo ou o Sepp Kuss da vitória na Vuelta.
Como vês a prestação do João Almeida no Tourmalet, estando doente e segurando o Top-10 na geral?
RC – Posso dizer que é algo característico do português, não é? Nunca baixa os braços, acredita sempre, o Almeida nesse dia realmente podia ter deitado tudo a perder como aconteceu no caso do Remco, mas não, lutou, lutou com tudo aquilo que tinha, com as forças que tinha! Mesmo estando doente. lutou até ao final, fez uma etapa realmente que é magistral, porque numa condição como ele, quando perde o contacto na primeira subida, com tanto que tinha pela frente, não ter baixado os braços realmente demonstra o grande corredor que ele é e o orgulho que nos dá, porque lutou até ao final, por mais que tenha perdido cerca de 7 minutos naquele tipo de etapa.
Na condição em que ele estava, e onde ele ficou na primeira montanha, realmente 7 minutos deita muita coisa a perder. No caso dele, que estava a lutar pela classificação geral, mas noutro sentido também pode ser lhe abra um bocado o aspeto de ter alguma oportunidade de, já nesta semana, quem sabe até numa situação mais estranha ou de confusão, ou então de explosão de grupo, poder tentar entrar numa pequena fuga, mesmo com corredores fortes e tentar também a vitória de etapa e remontar na classificação geral.
CM – Se continuares a ir para as fugas, achas que verás o João Almeida contigo nas fugas, de modo a tentar recuperar algum tempo e até ajudar o Ayuso a ganhar tempo aos restantes?
RC – São situações um bocado extremas, não é? Porque com a situação do Enric Mas, e mesmo do Landa, do Vlasov e do Cian, não o vão querer deixar ir, não é? No fundo estão todos ali por muitos poucos minutos e alguns por segundos, e é certo que quando talvez estamos num início de uma grande volta, talvez às vezes haja um bocado mais de facilidade, como foi na situação da etapa do Kuss em que ele ganhou todo aquele tempo. Talvez sendo ao início as coisas sejam mais fáceis. Já na última semana ou nas últimas etapas, claro que todos eles estão a marcar-se uns aos outros e ninguém quer perder o seu lugar, querem todos subir, mas ninguém quer perder lugares.
Então certamente que vai ser difícil, porque para o João, mesmo estando a 8 minutos, talvez não seja suficiente para o deixarem facilmente ir para uma fuga. Pode sim atacar já nos últimos kms e talvez numa situação de grupo reduzido. Estamos a falar de 10/15 corredores na última subida, se ele tiver pernas e puder arrancar, eles ficarem naquela de “não vou eu, vai tu, esperas este e aquele” e ele aí sim, pode tentar fazer a diferença de ganhar alguns segundos ou minutos. Aí acredito mais, parece-ne que numa situação inicial não seja fácil de o deixarem ir!
Se numa fuga, tu e o João fossem disputar uma etapa, quem ganhava?
RC – É muito difícil de se saber, depende da condição de cada, depende que tipo de chegada é. É certo que mesmo sendo amigos, eu acho que no fundo não haveria muito que falar, que era cada um dar o seu melhor e quem ganhasse realmente tinha sido o mais forte, e mesmo que fosse ele a ganhar, eu não ficaria triste, porque era um português que ganhava.
Quais são as tuas metas para o futuro?
RC – Bom, continuar, não? Continuar, eu creio que na minha cabeça as minhas possibilidades são de ter, pelo menos, mais 1 ou 2 anos no ciclismo, e aproveitar também para desfrutar. Sabemos que já não é como antigamente, antigamente desfrutava-se de maneira diferente. Hoje essa palavra é um pouco mais cara, no final não se desfruta tanto, porque em quase todas as corridas que se corre hoje em dia vão-se muito rápido e na verdade há que manter a condição física ao mais alto nível, porque senão sofre-se muito.
Foto de capa: Getty Images