Entrevista com Eva Tomé, press officer da Q36.5 Pro Cycling Team!

O Ciclismo Mundial esteve à conversa com Eva Tomé, Press Officer da Q36.5 Pro Cycling Team, numa entrevista em que procuramos saber mais sobre a Eva e sobre o trabalho de um Press Officer numa equipa de ciclismo de grande dimensão. Com uma agradável conversa, acabamos por descobrir tudo isto e muito mais, como a ambição que levou Eva a procurar este cargo, numa equipa que procura também valorizar a sustentabilidade do desporto, reduzindo ao máximo a sua pegada ecológica com diferentes esforços. 

Sem mais demoras, deixamos o resultado desta grande entrevista. 

Ciclismo Mundial [CM] – Para quem não te conhece, e mesmo para quem te conhece, quem é a Eva? 

Eva Tomé [Eva] – O meu percurso como jornalista desportiva começou no Eurosport, onde estive cerca de sete anos, começando no Eurosport News. Fiz de tudo um pouco, desde conteúdos digitais a voice-overs e comentários desportivos em directo.  Especializei-me em ténis e ciclismo, tendo comentado esta última modalidade tanto na vertente masculina como feminina. Sempre gostei de desporto, mas o ciclismo foi sempre aquele que me encheu mais o olho, a minha verdadeira paixão. Quando acompanhei as provas no terreno tive a oportunidade de conhecer equipas mais diretamente, de conhecer o trabalho nos bastidores, e na altura apercebi-me que era algo a experimentar: trabalhar no interior de uma equipa.  

CM – Depois de vários anos no Eurosport, passaste a integrar a estrutura de uma equipa profissional de ciclismo. Como surgiu a oportunidade? 

Eva – Em 2018 aceitei uma proposta para trabalhar como assessora de imprensa de uma equipa que, atualmente, já está extinta [a Aqua Blue Sport]. Este foi o primeiro passo e gostei imenso da experiência. O meu trabalho era multifacetado no sentido que tinha de fazer muito mais coisas do que ser simplesmente assessora de imprensa. Visto ser uma equipa mais pequena, tratava da logística à fotografia, vídeos, conteúdos digitais, redes sociais, etc. Acabou por ser uma boa escola de aprendizagem! 

Depois de uma época nessa equipa, fui para uma outra estrutura que tinha uma missão diferente: a Team Novo Nordisk, uma equipa em que todos os atletas têm diabetes tipo 1 e que competem ao mais alto nível. Foi uma experiência completamente diferente, porque o foco era para além do no ciclismo em si: trabalhava em muitas atividades paralelas que acontecem ao lado das provas de ciclismo, trabalho feito com hospitais, eventos, etc., e foi muito importante nesse aspeto.

A estrutura da Q36.5 Pro Cycling Team com todos os elementos necessários para uma corrida.

CM – Depois dessa experiência deste o salto para o WorldTour… 

Eva – Sim, depois aceitei ir para uma equipa WorldTour, a Trek – Segafredo, por uma época. É uma estrutura muito maior, trabalhei com a equipa masculina e com a equipa feminina, fazia trabalho de Press Officer e de Communications Manager e foi um salto grande de conhecimento e de estrutura de equipa, mas as minhas tarefas ficavam muito limitadas ao de Press Officer, por haver muito mais interesse pela imprensa na equipa. 

CM – Depois do World Tour, tiveste desafios diferentes, trabalhando em ciclismo, mas fora da estrutura de uma equipa 

Eva – Pós pandemia, decidi que devia tentar saber mais sobre ciclismo no ponto de vista técnico – da tecnologia associada ao equipamento- e uma empresa sediada na Bélgica apresentou-me um contrato aliciante para as funções de Communications Manager. A empresa chama-se Classified Cycling, e tem um sistema de drive train aprovado pela UCI. Eu fazia a ligação entre as equipas que estavam a testar este sistema e a própria empresa. Foi uma experiência única, permitindo-me compreender o lado corporativo do ciclismo, dos componentes das bicicletas, e isso foi bastante interessante.  

CM – Depois dessa experiência, juntaste-te à recente estrutura da Q36.5 Pro Cycling Team… 

Eva – Sim! Havia uma equipa com a qual todos anos entrava em contacto com o General Manager, a antiga Team Qhubeka. Era uma equipa que tinha uma missão diferente das outras, em que ajudavam crianças em África a ter acesso a bicicletas, algo com que eu estava muito em sintonia, pois nasci em Moçambique, e sei o quão importante é a mobilidade para ter acesso à educação nas comunidades mais desfavorecidas. Ter uma bicicleta representa liberdade e ter a possibilidade de levar uma vida completamente diferente em África.  

Após o fim dessa equipa, mantive contacto com o Doug [Ryder] e disse-lhe que se ele estivesse interessado em iniciar um novo projeto no ciclismo, eu queria ajudar e fazer parte. No verão passado ele disse-me que estava para lançar um novo projeto, uma nova equipa, a começar pelo escalão ProTeam, que era uma equipa bastante interessante e com um projeto bastante sólido. Esta é uma equipa diferente, damo-nos todos muitíssimo bem, somos muito unidos e é super agradável estar no ciclismo, principalmente numa equipa a começar do zero. Foi um processo de crescimento e de tentar com que tudo funcionasse da melhor forma possível para sermos competitivos. Foi muito bom termos convites para as clássicas da Primavera com a Strade Bianche, Volta a Flandres e Paris-Roubaix assim como para algumas provas WorldTour, como o Tirreno Adriático e agora o Tour de Pologne. Tentamos ser o mais competitivos possível, embora tenhamos um plantel limitado com apenas 24 ciclistas. Este ano, com mais tempo, vai haver alterações, e esperamos que a equipa possa crescer e tornar-se mais forte. 

Eva Tomé fazendo um abastecimento apeado com a Q36.5 Pro Cycling Team.

CM – Já tinhas tido contacto com o ciclismo antes da Eurosport ou foi algo completamente novo que abraçaste? 

Eva – Não, enquanto criança odiava ciclismo, porque a minha família me obrigava a ver a Volta a Portugal e eu não podia ver aquilo que gostava. Tinha “um pó” ao ciclismo! [Risos] Na juventude fui atleta de alta competição de hóquei em patins e sempre gostei muito de desporto, mas o ciclismo nunca me tinha despertado a curiosidade.  

Foi um dia ao acaso, em que estava a acompanhar o Tour de France e vi uma etapa dos Alpes até ao fim, para dar uma hipótese e tentar entender um pouco esta modalidade, e no final foi “amor à primeira vista”. É um desporto individual e ao mesmo tempo coletivo, o mental é tão importante como o físico. As pessoas só percebem a dureza do ciclismo quando vão para cima de uma bicicleta e tentam fazer algo semelhante, percebendo que aquilo que os profissionais fazem é quase sobre-humano.  

O ciclismo é O Desporto, há tantas variáveis, é muito vasto, o trabalho tem de ser muito bem feito para que tudo esteja ao mais alto nível, é como um jogo de xadrez em duas rodas. É uma modalidade muito rica e muito variada, e que te dá muitos dissabores, mas também muitas alegrias. É um bocadinho como uma metáfora da vida. 

O trabalho de Press Officer estende-se durante as várias fases do dia de corrida.

CM – Quais são as funções de um Press Officer? 

Eva – Varia de equipa para equipa, consoante o tamanho da equipa de comunicação, por exemplo se falares com o Press Officer da Jumbo – Visma ele vai responder-te que o que ele faz é a, b, c, d, e eu vou responder-te que aquilo que eu faço é a, b, c, d, e, h, i, etc., é tudo um bocado relativo. Existem umas constantes como na parte da comunicação com o exterior, és a pessoa que trata de todos os pedidos de entrevista para um ciclista, para um elemento do staff, para um elemento da direção, tem de passar tudo por mim, e numa equipa com 30 ciclistas existem muitos pedidos por parte da comunicação social.  

Entrevistas, podcasts, filmagens, tudo isso tem de passar pelo Press Officer para aprovação, porque temos de ter a certeza de tudo o que é transmitido se enquadra e está correto. Tenho de fazer também um apanhado de toda a cobertura que temos na imprensa mensalmente e apresentar isso aos diretores da administração, que precisam de ver um relatório da projeção que estamos a ter nos media, perceber qual dos nossos ciclistas está a ter mais projeção, se as nossas vitórias estão ampliadas nos meios de comunicação, etc.  

Além disso, precisas de fazer um trabalho de promoção dos sponsors ao longo do ano, para o qual existem mínimos que estão previstos nos contratos. No meu caso, tenho uma colega que está mais encarregada de tudo o que é relacionado com os sponsors. Nós trabalhamos com várias redes sociais e tudo o que publicamos aí tem a minha autoria, e depois há também o trabalho mais direto, nas provas, onde tenho de estar presente naquelas em que sabemos que vão estar muitos meios de comunicação social, mas também é muito importante fazer a cobertura da equipa se soubermos que vamos com uma equipa competitiva e que pode lutar pela geral. É quase obrigatório estar presente nesses momentos para os poder capturar, porque os sponsors assim o exigem. Faço também edição de vídeo e faço abastecimentos durante as provas quando é preciso. Dando um exemplo de um dia de um Press Officer no Giro d’Itália, Tirreno Adriático ou até na Milano – Sanremo, a organização tem uma pessoa que está em comunicação com todos os Press Officers e faz chegar os pedidos que têm dos media para esse dia. Na manhã desse dia faço a triagem desses pedidos, perceber que ciclistas querem entrevistar para os informar e estarem antecipadamente preparados. 

Respondo aos e-mails, muitos e-mails, conduzo um dos carros até à partida e converso com o diretor desportivo sobre qual será a minha missão para o dia. Depois fazemos a partida, 1h30 antes realizam-se as entrevistas com os ciclistas e eu faço a cobertura da cerimónia de assinatura, concretizo pedidos de sponsors, e também recebo convidados quando é o caso. Quando a etapa começa, tenho que fazer a atualização das redes sociais todas durante a etapa, e sempre que necessário faço os abastecimentos. Na meta, uma vez mais, tenho de acompanhar as entrevistas dos ciclistas com a imprensa, e também se houver pódio acompanho o ciclista em toda a cerimónia.  

Depois vamos para o hotel, onde faço mais trabalho de computador. Se tivermos vídeos para editar, edito e publico, se tivermos um resultado de realce, tenho de fazer um comunicado de imprensa e enviar, atualizar o site com a notícia e um resumo da etapa. Faço outra vez as atualizações das redes sociais com as fotos da etapa, que só são entregues pós etapa, e assim se resume o dia de um Press Officer

Eva Tomé e Doug Ryder aguardar a chegada dos ciclistas na Milano – Sanremo para fazer um abastecimento apeado.

CM – De todas estas tarefas, qual é que sentes que te dá mais gosto de fazer? 

Eva – Se me tivesse perguntado há alguns anos, diria estar nas provas, estar lá para contar a história do que se passou e organizar as coisas todas. Hoje em dias as provas começam a ser um pouco mais cansativas, mas hoje aquilo que me dá mais satisfação é poder comunicar uma história bonita que tenha acontecido durante a corria e isso nem tem de ser uma vitória, um pódio, uma camisola, etc. Essas histórias muitas vezes nem sequer são conhecidas, como um ciclista que veio de uma fratura complicada, que pensa que a época acabou ali e consegue alinhar numa prova, numa etapa de montanha consegue ficar nos 10 primeiros, isso é uma vitória! É uma história que não é contada, e às vezes quando se conta essas histórias é gratificante, porque podemos também partilhar um bocadinho daquilo que é o ciclismo para nós. O vencedor todos aplaudem, é de mérito e faz sentido que o foco esteja nessa pessoa, mas às vezes não são só as histórias dos protagonistas que merecem ser partilhadas. Também as daqueles que acabaram em 18º e que tiveram uma história de sacrifício e superação, e isso faz todo o sentido ser contado.

A alegria reina no dia de trabalho da Q36.5 Pro Cycling Team!

CM – Falaste da experiência com a Classified Cycling que te trouxe um conhecimento mais técnico, que se calhar não tinhas. De uma forma mais detalhada, o que é que esse trabalho de trouxe de novo? 

Eva – Trouxe a parte de entender a importância do equipamento técnico, não sabia até que ponto o equipamento podia influenciar a performance de um ciclista. Como uma bicicleta, uma componente, uma roda aerodinâmica pode poupar imensos watts a um ciclista. 

Hoje em dia, a este nível, as margens são muito reduzidas, não existem ciclistas maus, existem claro aqueles fenómenos que nós vemos, o Pogacar, Vingegaard, Van Aert, Remco, etc. que são “paranormais”. Mas depois, imediatamente abaixo tens todos aqueles ciclistas que estão a um nível semelhante, pouco ou nada os separa! É por vezes uma questão de qual é o equipamento, qual é a bicicleta, quais são os andamentos que eles têm, tudo isso. 

Ir para um túnel de vento, ver na prática que determinada roda representa uma poupança de 4 watts/km e isso no final de uma etapa vai significar que o ciclista na prática está a ganhar 38 metros aos adversários, isso é muito significativo! É entender até que ponto o equipamento e a sua escolha influenciam os resultados no ciclismo contemporâneo. 

Foi isso que a Classified me deu, perceber que o equipamento faz diferença, principalmente com o facto de que os ciclistas estão tão equiparados ao mesmo nível.  

No WorldTour, todos fazem tudo de maneira idêntica. Todos temos os cientistas, os nutricionistas, os treinadores, e eles saltam de equipa para equipa. Esse conhecimento é partilhado, não há segredos. Existe um grande impacto do equipamento que se usa, não só a bicicleta, mas também o que se veste, as manetes, o tipo de selim, o tipo e perfil das rodas, o tipo dos andamentos. Foi isso o que esta empresa me deu, perceber o que é que isso representa para o ciclismo moderno e para o ciclismo no futuro. 

CM – Falaste que aquilo que mais gostavas era contar histórias bonitas, de superação com significado. Há alguma que te tenha marcado ao longo da tua carreira? 

Eva – Eu gosto de pensar que ela ainda está para acontecer. Posso contar uma de um ciclista da Team Novo Nordisk, o Charles Planet, que tem diabetes tipo 1. Ele tem de gerir a diabetes quando está em cima da bicicleta, assim como no seu-dia-a-dia, mas o competir para ele é um jogo de xadrez mais complicado em comparação com os outros ciclistas. Quando trabalhava na equipa, em 2019, ele lutava para ir para a fuga na Volta à Polónia, tinha objetivos muitos concretos, ir para a fuga e conseguir uma camisola, a de montanha ou dos pontos. E ele cumpriu esse objetivo não só numa etapa, mas em 4 etapas, conseguiu a camisola da montanha e dos pontos e foi um momento de orgulho! É um atleta que tem de lidar com imensas contrapartidas, imensas desvantagens, tem uma condição médica complicada de gerir e está a competir com ciclistas do WorldTour, que na sua grande maioria não têm qualquer patologia, e está a singrar, subindo ao pódio. Fiquei orgulhosa e muito emocionada quando o vi conseguir aquilo que ele se propôs. Foi uma história muito interessante! 

Entretanto, no ano passado, o Charles teve um acidente gravíssimo, partiu a perna, várias fraturas, e ficou numa cadeira de rodas. Chegaram a dizer-lhe que nunca mais conseguiria andar. Ele num ano não conseguiu só andar, como andar de bicicleta, a alinhar em provas e estar a competir outra vez. Só aí consegues ver a força de vontade deste ciclista, contra tudo e contra todos, de continuar a fazer aquilo que gosta e conseguir competir em provas de ciclismo ao mais alto nível. 

Em nome da equipa do Ciclismo Mundial, deixamos um agradecimento à Eva pela entrevista e desejamos à Q36.5 Pro Cycling Team a melhor das sortes para as últimas corridas da temporada!

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