De Binda, à rivalidade de Coppi e Bartali, do domínio de Eddy Merckx até aos dias de hoje! Quem irá levar o Giro d`Italia?
O Giro d’Italia está de volta este sábado, numa corrida de 3 semanas que conta com mais de 100 anos de história e muitos milhares de kms percorridos e com várias etapas além fronteiras italianas. Em 2023 o Giro entra na sua edição 106, e num ano em que se promete voltar a fazer história. Com João Almeida, Primoz Roglic e Remco Evenepoel como os principais candidatos, quem irá levar a tão desejada Maglia Rosa?
A História
Em 1909, a Gazzeta dello Sport, jornal italiano, decidiu criar o Giro d’Italia com o objetivo de aumentar as suas vendas, numa corrida à imagem daquilo que era o Tour de France na altura, com a promessa de que seria a maior prova de ciclismo do mundo. Inicialmente, a ideia era começar sempre em Milão, algo que mudou pouco mais de 20 anos depois, começando a alternar entre acabar ou começar em Milão, passando por começar noutras cidades italianas ou até fora do país. Na ideia base da camisola rosa surgiu o facto de a Gazzeta dello Sport ser impressa em rosa desde o seu início.
Luigi Ganna foi o primeiro vencedor do Giro, numa primeira edição que continha um total de 2448km em 8 etapas. Poucos anos depois, em 1912, algo estranho aconteceu, com a classificação geral a ser disputada por equipas e não individualmente. A Antala – Dunlop foi a equipa que venceu, numa formação que continha os vencedores das primeiras três edições. Em 1914, o sistema acabou por mudar de pontos para tempo. Nesse mesmo ano, não só a classificação que mudou, como algo estranho aconteceu, com vários ciclistas a perderem-se e seguirem de comboio até ao fim, levando à sua desclassificação. Mais tarde, foi reconhecido que apenas oitos dos oitenta ciclistas que participaram é que terminaram verdadeiramente a prova.

Até 1953, o Giro foi dominado por italianos, numa história de lendas do ciclismo mundial tais como Alfredo Binda e a rivalidade histórica de Gino Bartali e Fausto Coppi. Binda, uma das maiores lendas do ciclismo italiano, conquistou a Maglia Rosa por cinco vezes entre 1925 e 1933, juntando a isso duas vitórias no Giro di Lombardia, uma na Milano – Sanremo e dois Títulos Mundiais. Assim, Binda estabeleceu um recorde que nunca foi batido, apenas igualado. Não se avizinha que alguém passe este recorde, para além de Binda ter alcançado a proeza de vencer doze etapas seguidas e dominar um Giro d’Italia do início ao fim, em 1927. Uma curiosidade é que a Gazzeta dello Sport ofereceu 22500 liras italianas para que Binda não corresse no Giro de 1930, tendo feito assim o Tour de France nesse ano. Binda também venceu a primeira classificação da montanha do Giro, em 1933. Entre os anos 40 e 1952 surgiu também uma camisola preta, numa classificação bastante invulgar, em que o líder era quem estava em último.

Entre 1939 e 1953 deu-se uma das maiores rivalidades de sempre no ciclismo italiano, uma rivalidade que dividiu o país. De um lado havia os coppiani, os adeptos de Fausto Coppi e de outro lado havia os bartaliani, os adeptos de Gino Bartali. Uma rivalidade que ficou para durar, começou quando em 1939 um ciclista amador jovem foi contratado pela equipa de Bartali, a Legnano. Esse ciclista era Coppi. Coppi não era como um dos gregários da altura e tinha demasiado orgulho naquilo que fazia, desafiando também Bartali, seu chefe de fila, e vencendo no ano a seguir o Giro d’Italia. Esta rivalidade foi tão grande que fez com que ambos, quando corriam pela mesma equipa, fossem suspensos. No Campeonato do Mundo de 1948, os dois acabaram por desistir quando não se uniram ao correr pelo mesmo país.
A dimensão da rivalidade foi tal que até discutiram sobre quem deu uma garrafa a quem no Tour de France, em 1952. Acreditava-se que os dois se vigiavam, principalmente Bartali, que suspeitava que Coppi usasse drogas. Apesar desta rivalidade claramente acesa, foi a partir daqui que se considera que começaram os anos dourados do ciclismo. No total, foram oito vitórias no Giro d’Italia entre os dois, com Bartali a levar três vitórias, e Coppi a igualar o recorde de Binda com cinco.

Em 1968, foi a vez de ciclistas não italianos dominarem o Giro, principalmente com aquele que é considerado o melhor ciclista de todos os tempos, o belga Eddy Merckx. Em 1954, um corredor não italiano venceu pela primeira vez o Giro, com o suíço Carlo Clerici a triunfar, mas foi Merckx que marcou o Giro, para além do ciclismo como um todo. Logo em 1968, na sua primeira vitória, o belga venceu todas as classificações e estabeleceu um novo recorde que ninguém bateu até então. Neste mesmo ano, algo inédito aconteceu, o primeiro teste anti-doping e o primeiro prólogo no Giro.
Em 1970, Merckx voltou ao Giro, após ter testado positivo a uma substância proibida na edição anterior, voltando a dominar e agora a conquistar a proeza de vencer duas grande voltas no mesmo ano, o Giro e o Tour. Em 1972, Merckx regressou novamente, após ter preferido ir a outra corrida no ano anterior. O belga acabou por vencer desde aí três Giros seguidos, e em 1973 repetiu o feito de Binda, ao vestir a Maglia Rosa de início a fim.

Já nos anos mais recentes, no século XXI, apenas cinco ciclistas se aproximaram destas lendas, mas nunca conseguiram igualar qualquer um dos recordes. Por duas vezes, Gilberto Simoni, Paolo Salvodelli, Ivan Basso, Alberto Contador e Vincenzo Nibali venceram o Giro, mas os recordes das lendas ficaram ainda longínquos. Se esta corrida, que conta com tanta história, é ou não a maior corrida do ano, vai depender sempre da opinião de cada um, mas a melhor descrição que podemos dar é que o Giro é “The most toughest race in world’s most beautiful place” (A Corrida mais dura no lugar mais bonito do Mundo).
Os Candidatos de 2023
Em 2023 o Giro traz-nos um pelotão recheadíssimo de talento. Dentro de todos os ciclistas destaca-se Primoz Roglic (Jumbo – Visma). O esloveno vencedor de três Vueltas a España já obteve pódios no Tour de France e também no Giro, e é um ciclista com resultados mais que provados em três semanas. Em 2023, Roglic conquistou o Tirreno – Adriatico e a Volta a Catalunya, batendo os outros dois grandes candidatos, João Almeida (UAE Team Emirates) e Remco Evenepoel (Soudal Quick-Step). Roglic é um excelente trepador, dá-se bem acima dos 2000m de altitude e é bom no contrarrelógio, mas fica a dúvida para a crono escalada da etapa 20. Poderá ele quebrar novamente como no Tour de France em 2020, ou poderá desta vez fazer ele próprio uma remontada?
Remco Evenepoel tem um Giro d’Italia muito ao estilo dele, com cerca de 80km de contrarrelógio, praticamente quase feitos à imagem do que ele gosta, e montanha a chegar aos 2000m de altitude apenas na semana final. Após vencer o UAE Tour e a Liége – Bastogne – Liége, e de ter sido segundo na Volta a Catalunya, o vencedor da última edição da La Vuelta e Campeão Mundial tem todas as condições para vencer em Itália. Restam apenas dúvidas se não irá quebrar na terceira semana do Giro, devido a mostrar-se sempre em grande forma desde fevereiro e se irá aguentar os 2000m de altitude, um ponto em que já demonstrou ter dificuldades.
João Almeida é um dos candidatos a vencer, temdo ao seu lado uma equipa mais capaz na montanha do que noutros anos. O Giro vai também muito ao estilo do Campeão de Portugal, que este ano já mostrou uma clara evolução nos pontos onde sofreu maiores críticas, tanto a descer como na parte de não atacar. Com exibições sólidas na Volta a Catalunya e no Tirreno – Adriático, e uma preparação sem percalços, Almeida vai dar luta até ao fim e procurar terminar no pódio. A grande dúvida será o posicionamento dele à entrada das principais subidas, algo em que já melhorou , mas em que ainda não é consistente.
Outro candidato a poder vencer é Aleksandr Vlasov (BORA – hansgrohe). Perante uma corrida com mais contrarrelógio, a aposta da equipa germânica recai no russo, já que seria um traçado capaz de gerar mais dificuldades a Jai Hindley, o vencedor de 2022. Vlasov foi quinto no Tour do ano passado e quarto no Giro 2021, pelo que tem todas as capacidades para se bater com os melhores e quiçá conseguir finalmente um pódio numa grande volta. Dúvidas pairam sobre se ele conseguirá aguentar o ritmo dos três grandes candidatos ou se pagará alguma coisa nas principais subidas.
Geraint Thomas (INEOS Grenadiers) é outro favorito às primeiras posições, mas ainda não demonstrou estar em boa forma este ano. Apesar disso, essa tem sido a tendência dos últimos anos, com Thomas a ter apenas um pico de forma na temporada, que o faz brilhar e conquistar grandes resultados. Caso o britânico não apareça no seu melhor, a INEOS pode jogar com Tao Geoghegan Hart ou Thymen Arensman, e assim permanecer na luta pelas primeiras posições.
Será que algum dos candidatos apontados vai escrever o seu nome ao lando das grandes lendas do ciclismo?