Rui Costa: “Cada vez se torna mais difícil de ganhar numa grande volta… Vou tentar uma etapa!”

O Ciclismo Mundial teve a oportunidade de entrevistar Rui Costa, numa conferência só para os media portugueses, onde o Campeão Mundial de 2013 falou sobre o que espera desta La Vuelta e quais são os seus objetivos. Conseguimos colocar várias questões ao líder da Intermarché – Circus – Wanty para a corrida espanhola e o que se segue é o resultado da análise feita à corrida e à forma como a equipa se preparou para alcançar os seus objetivos.

Ciclismo Mundial – Quão diferente é a preparação para esta Vuelta, principalmente por ser a primeira vez que fazes Tour de France e a La Vuelta no mesmo ano?
Rui Costa – É a primeira vez que faço estas duas grande voltas no mesmo ano, e a terceira vez que compito na La Vuelta. É algo diferente, ainda fiz a Donostia pelo meio, mas saí do Tour numa boa condição, descansei, tive boas sensações em San Sebastian, e até à Vuelta foi trabalhar para manter a boa forma.

CM – Tens tido uma grande época até agora, com excelentes resultados, apontarás a uma vitória de etapa, como por exemplo a etapa 20, por ser um traçado parecido com o de algumas clássicas, ou será um dia para os homens da geral?
RC – É certo que entro motivado na Vuelta, a confiança é boa, a condição eu trabalhei bem, talvez vai faltar um bocadinho de ritmo, porque são já 4 semanas sem competir mas acho que isso é uma questão de dias e tudo volta ao seu sítio. A probabilidade de ganhar uma etapa, eu podia dizer que é grande, mas ao mesmo tempo é difícil, cada vez se torna mais difícil de ganhar numa grande volta, só não ganha quem não está e então é óbvio que estarei aqui para dar o meu melhor. Vou tentar uma etapa aqui na Vuelta, sabendo que é sempre complicado ganhar, mas não há que baixar os braços, há que acreditar, há que ter confiança e tentar, não digo cada dia, mas nos dias pontuais, e ter a pontinha de sorte de também poder entrar na fuga. Posso estar ali a tentar e a tentar, e realmente entrar na fuga, mas depois até que ponto vou ter pernas para disputar a etapa? Isso é fundamental, tentar uma fuga, mas ter a pontinha de sorte, não ter de gastar muito, para depois poder disputar a etapa.

Realmente a temporada este ano começou bem até à Strande Bianche, realmente as coisas correram muito, muito bem, toda a logística, toda a preparação, todo o início de temporada que foi, que saiu perfeitamente correto. Foi pena após esse bom período o resto ter fugido um bocadinho, devido a um problema, devido a uma queda, e não me ter reencontrado. Corridas como a Romandia não ajudaram à minha consistência e a que depois não chegasse na minha melhor condição ao Tour.

Pensas que a tua experiência poderá ser benéfica para esta Vuelta e quais são as grandes diferenças entre as três grandes voltas?
RC – A experiência é sempre importante, sobretudo em corridas de três semanas, para ter a gestão de cada dia e das semanas que vamos ter pela frente. É sempre importante termos uma noção do que é correr uma grande volta, e isso ajuda também os mais novos, como os irmãos Oliveira, que fizeram a primeira Vuelta comigo. Dei-lhes muitos conselhos, como haviam de fazer, como haviam de gerir para que eles pudessem acabar a Vuelta, porque um atleta que entra pela primeira vez numa grande volta começa a desgastar-se desde o primeiro dia, não sabe até onde vai, e depois as energias não são as suficientes para ajudar a terminar uma grande volta. Neste aspeto a experiência conta muito e ajuda muito, bem como ajuda em várias situações de corrida, são vários exemplos que vamos recolhendo ao longo da carreira que muitas das vezes são postos à prova em competição. Após cada situação ou cada momento de corrida, a experiência realmente ajuda.

Sobre a diferença das três voltas, o Giro foi uma corrida que gostei muito de fazer, que me deu gozo. Num deles estive bastante perto de ganhar, fiz três segundos lugares, e tenho pena de não ter conseguido uma vitória. No ano passado, deu-me gozo ter feito também o Giro na UAE Team Emirates com o João Almeida. Deu-me gozo, porque vive-se mais do ciclismo, porque não há tanto stress, é uma corrida que não existe o mesmo stress que existe no Tour, que é uma prova totalmente diferente de cada uma que se faça ao longo do ano. O Tour é o Tour, é onde todos querem fazer alguma coisa, onde todos querem ganhar. Tudo conta no Tour, basta 5min ou 15min de fuga, todo o tipo de imagem que possas dar, e faz com que seja diferente de todas as voltas. A Vuelta apenas fiz 2 vezes, em 2020 na altura da pandemia, foi um ano realmente excecional, em que corremos em outubro e novembro. Lembro-me de estar na zona da Galiza e sair de uma etapa de noite e chegar de noite ao hotel, foi algo excecional, mas acho que não consegui tirar muitas conclusões nesse ano, pois foi uma Vuelta diferente de todas as outras. Este ano irei realmente vivenciar o que é a Vuelta. São todas elas realmente diferentes, mas são todas importantes, só prefiro o Tour, porque é realmente aquela Volta, é o Tour, é algo especial!

CM – A equipa deste ano da Intermaché-Circus-Wanty conta com um mix de juventude e experiência. Como é que vão combinar tudo isto, a juventude e a experiência, a irreverência dos mais novos em quererem mostrar-se, para conseguirem os objetivos da equipa?
RC – Olha, tocando num ponto também importante, dizendo que realmente a Vuelta é aquela prova que mais dá oportunidade aos jovens, quase sempre, que eu me lembre, tem sido sempre aquela prova que todas as equipas dão oportunidades aos jovens de fazerem uma grande volta, de darem o melhor deles, ver como eles se comportam numa prova de três semanas e então acaba por ser uma prova de oportunidades, para muitos deles. Nós realmente trazemos uma equipa com juventude, com uma equipa também experiente, temos um bocadinho um misto de corredores, tínhamos o Gerben, que era o nosso sprinter, mas já não vai estar presente devido ao positivo por Covid-19, mas acabámos por ter uma boa equipa, um misto bastante forte. Temos o Page que é um corredor muito rápido, é um corredor que em chegadas não planas, mas ligeiramente em subida, pode ter as suas oportunidades, temos o Kobe, temos o Rune, que são corredores também jovens, com muita ambição. Sabemos a qualidade deles e que vão demonstrá-la. Temos também o Rein Taaramäe que é um corredor com muita experiência, que já esteve líder aqui na Vuelta, temos o Boy van Poppel, que era o lançador do Gerben, então certamente vai ter a sua oportunidade. E talvez eu, face à experiência que tenho, não só o objetivo em geral, mas também o objetivo individual de cada um, é sem dúvida levar uma etapa.”

CM – Consideras a equipa como caça-etapas”, em comparação ao Tour em que, para além de terem esse objetivo, queriam também levar o Meintjes ao top10?
RC – O objetivo principal da equipa é mesmo ganhar etapas!

Como achas que a dinâmica para a classificação geral vai influenciar as equipas que querem caçar etapas?
RC – O que pode afetar muito é realmente o facto de haver quedas, às vezes ficar de fora um líder, e a equipa que estaria traçada para trabalhar para o seu líder vai ganhar oportunidade de entrar nas fugas, abrindo um leque maior de corredores para tentar ganhar etapas. No domingo, ao que tudo indica, será um dia de chuva, vai ser um dia complicado na chegada a Barcelona, e espero que realmente corra tudo bem, que não haja quedas. Senão poderá trazer a desistência de algum líder, como no Tour, em que nos primeiros dias mandaram dois líderes para casa, o Mas e o Carapaz. É óbvio que neste momento as equipas estão bem organizadas, temos a UAE Team Emirates, a Jumbo – Visma, a Soudal Quick-Step, a BORA – hansgrohe, a INEOS Grenadieres, que são equipas mais focadas para a geral, mas penso que a partir do final da segunda semana as coisas irão abrir um bocado, essas equipas, não tendo vitórias de etapa, vão querer ganhar etapas, vão tentar sempre mandar um corredor ou outro para as fugas e tentar ganhar também. Isso faz com que se torne difícil ganhar etapas, seja em qualquer grande volta. Ganhar é sempre difícil, a concorrência está muito igualada, as energias são muito idênticas e ganhar vai-se tornando cada vez mais difícil, devido à igualdade que existe no grupo.

CM – Historicamente dás-te bem em terrenos de chuva e frio. Pensas que a etapa que referiste pode ser um dia a atacar?
RC – Vai depender um bocadinho de como o grupo for. É certo que a aproximação a Montjuic vai ser muito rápida, e a chover vai tornar-se mais perigoso. Eu sou um atleta que gosta de arriscar quando estou bem, mas se eu vir que realmente estou a pôr-me em risco, talvez a cair e isso aí numa queda não sabes muitas vezes o que pode acontecer, também sou um bocado calculista, e às vezes até demais, mas é óbvio que é uma bonita chegada, conheço bem o que é a última subida, e a descida também é bastante rápida face à meta. A aproximação não conheço muito bem, mas claro que vamos estar atentos, dependendo da loucura que seja na frente, se for demasiado louca digo já que certamente não irei estar lá, talvez aguardando as próximas etapas. Até ao final da Volta a Espanha há 20 etapas e eu não quero deitar tudo a perder numa etapa que possivelmente seja difícil ganhar, quando eu tenho mais aspirações a outro tipo de chegada.

CM – A classificação da montanha poderá tornar-se um objetivo da equipa, para ti, para o Kobe ou até para o Rune, ou será uma classificação para os homens da geral?
RC – Eu sinceramente vejo a montanha mais traçada para corredores talvez da geral, porque esta Vuelta tem realmente muitas chegadas em alto e vejo mais a inclinar-se para corredores que estejam a disputar a geral. Não sei porquê, eu analisei as etapas em geral e não acredito muito que possa fugir de um corredor da geral!

CM – Pegando nesse assunto da geral, quem é que consideras o maior candidato a vencer?
RC –
Para mim, sinceramente e diretamente, dos líderes que estão na frente na minha lista, eu diria que numa primeira linha estão o Primoz Roglic e o Jonas Vingegaard. Depois, numa linha abaixo, apontaria o João Almeida e o Geraint Thomas e depois sim, mais abaixo, apontaria também corredores como o Juan Ayuso e como o Remco Evenepoel, para mim é um bocadinho por aí!

Sobre o Ayuso e o Almeida, quais serão as maiores diferenças entre os dois e como isso poderá jogar a favor de cada um nesta Vuelta?
RC – Realmente são ambos excelentes corredores, excelentes voltistas, mas ambos são diferentes caracteristicamente, o João é um corredor que não gosta tanto de jogar ao ataque, mas é realmente muito regular e consistente, enquanto o Ayuso é um corredor mais atacante, um corredor mais agressivo, e essa é a diferença de ambos. Daí a razão de eu ter posto numa segunda linha o João e o Thomas, porque realmente são corredores que não são muito explosivos, que gostam de correr ao ritmo deles e em corridas de três semanas isso é super importante. Já numa linha abaixo meti o Evenepoel e o Ayuso, porque são corredores mais ferozes, são corredores mais fortivos, que procuram a vitória e isso pode ser muitas das vezes realmente interessante, mas de certa maneira são momentos de bastante fadiga, que trazem um cansaço para corredores de três semanas. Penso que no fundo acaba por ser mais vantajoso ser calculista, ser um bocado mais reservado, do que ser muito atacante.

CM – Sobre o teu futuro para 2024, num momento em que há muitos rumores de troca de calendários, até relativo aos Jogos Olímpicos, tu também acabarás por mudar alguma coisa ou ainda não pensaste nisso?
RC – De momento ainda não sei o que é que irei correr no próximo ano, não sei se irei fazer os JO, mas o que posso dizer é que se fizesse os JO e tivesse que optar por uma grande competição, eu optaria sempre pelo Tour. Optaria pelo Tour, descansar e JO. Sei que não há uma margem muito grande, mas se eu for a ver o que eu fiz este ano, em que acabei o Tour, descansei e fiz San Sebastian, cheguei lá numa boa condição, e por isso, se tivesse que optar, faria o Tour de France!

Foto de capa: CyclingMedia Agency / Intermarche – Circus – Wanty

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